Zizek (não consigo colocar acentos no Z), apresenta a ideia da Ordem Simbólica, que é qualquer sistema de comunicação, de signos e relacionamentos (jogos, trocas), e as regras que governam esses sistemas. Regras essas que regulam as interações sociais e afetam o espaço social. São inconscientes mas afetam nosso modo de vida conscientemente. Tabus e ideais morais também fazem parte da ordem simbólica.
A ordem simbólica governa não só nossa linguagem, mas também nossos pensamentos. Somos dependentes dela num nível em que não temos como ter total consciência, pois o significado de qualquer coisa está atrelado a um sistema de símbolos. A consciência deste fato só é possível dentro do próprio sistema. Ou seja, a comunicação é anterior a nós e maior do que nós.
Quando nascemos somos jogados num mundo onde os símbolos e significados já foram definidos. Somos educados. Submeter-se às regras que governam a linguagem e as formas de interação social não é um processo natural. Não há um instinto de linguagem no ser humano. Podemos, com o tempo, até mudar alguns conceitos, mas as regras da mudança ainda fazem parte do mesmo jogo.
Sujeitos, como indivíduos, existem Na e Para a ordem simbólica, nunca o contrário.
Para que Ordem Simbólica possa ser imposta na formação da autoidentidade dos sujeitos, é preciso um “superego” autoritário, que Zizek, baseado em Lacan, chama de O Grande Outro.
Na psicanálise o superego é tipo a parte moral da psique, os valores da sociedade.
O Grande Outro, é uma representação ficcional, presente nas interações sociais para manter a ilusão de que a Ordem Simbólica é o único meio de se atingir um significado unitário entre os sujeitos da interação. Ou seja, é como se duas pessoas conversando fossem marionetes do mesmo titereiro, o cara que manipula as marionetes.
O problema da Ordem Simbólica é similar ao problema do dinheiro no capitalismo, apontado por Marx. Sendo o dinheiro a única forma de determinar o valor de um produto, ele acaba subordinando as mercadorias ao sistema, impedindo que outros fatores sejam levados em conta na troca. Por trás de cada relação monetária existem muitas outras relações humanas. É como definir o preço da arte, podemos levar em consideração o tempo, o custo dos materiais, os anos de aprendizado, a originalidade e até a finalidade da obra (será reproduzida para revenda?), mas no final só resta um preço que o artista e o comprador devem estar de acordo. Ao estarem de acordo, sem saber acabam reforçando esse sistema simbólico e apoiando O Grande Outro.
O Grande Outro é a lei da comunicação e troca, realizada pela Ordem Simbólica. O grande outro é também a lei que dita que essa ligação nunca pode ser plenamente consciente para o sujeito individual.
Ao comparar o grande outro com o superego, Zizek afirma que ele é uma força repressiva e autoritária que afeta a psique do sujeito. O superego é uma autoridade interna de cada indivíduo que zela pela ordem simbólica, um guardião das leis, morais, códigos de bom comportamento social. Ele controla nosso sentido de certo e errado. Obedecendo ou não às regras morais, o superego continua existindo e para Zizek, é justamente a existência de regras e leis que geram o desejos de violá-las, pois nossa submissão às leis não é natural ou espontânea, mas fruto da repressão do desejo de desobedecer.
Talvez, e essa já uma interpretação minha, isso é como aquele cara que não fura o sinal para não ser multado. Faz a coisa certa, pelo motivo errado. Se você não comete crimes, apenas porque teme a punição, isso não faz de você uma pessoa boa, mas sim um canalha covarde! E talvez, pela necessidade de extravasar essas repressões morais, que a sociedade tolere algumas formas de fuga, como fazer guerras, curtir entretenimentos violentos ou pornográficos, ou mesmo normalizar eventos de consumo exagerado de álcool.
Isso faz Zizek afirmar que a igreja existe baseada na ironia de que precisa do pecado, que combate, para continuar existindo. O mundo moderno e contemporâneo parecem se distanciar da ideia de um superego dominante, por exemplo, ao abandonar a moral cristã. Nietzsche sacando esse movimento disse que “Deus está morto”. E alguns interpretaram que “sem Deus então tudo é permitido”, mas Zizek pensa que é exatamente o contrário, pois acredita que em uma situação onde tudo é permitido há um aumento de autorregulação. O superego continua existindo.
Ele destaca que esse superego de hoje em dia não é o mesmo de séculos atrás e os compara com ideias freudianas de paternidade. A metáfora é a seguinte: havia o “pai primitivo”, que era selvagem, obsceno, levava a vida pela lei do mais forte. Então os filhos mataram o pai e se tornaram o “pai edípico”, garantindo que os novos filhos agissem de forma correta na sociedade. Zizek afirma então que hoje em dia vemos o retorno do superego “pai primitivo”, que regula as ações levando todos a imitá-lo em buscas frenéticas por prazer. Ser feliz através do acúmulo de experiências alegres se tornou uma imposição.
Uma ilustração dos dois tipos de superegos agindo: antigamente os pais obrigavam os filhos a visitarem os avós, não era negociável. Hoje, são supostamente livres para escolher, mas são obrigados a gostarem de visitá-los. A suposta liberdade de escolha pode ser tão autoritária quanto a falta de liberdade.
Hoje o desejo não gira em torno de coisas proibidas ou intangíveis, que eram objetos do antigo superego, mas sim da pressão para que desfrutemos do prazer o quanto antes e com qualquer coisa que esteja ao nosso alcance, como viciados. O que nos leva ao gozo simulado, a felicidade fingida de uma realidade editada, tão comum nas redes sociais online.
Por enquanto é isso. Outra ora escrevo sobre como isso se desdobra na vida, no universo e tudo mais.


