Alerta Solar (Sunshine), de 2007, é um dos meus filmes favoritos de ficção científica espacial. Ele tem alguns clichês do gênero, mas isso não estraga a ideia geral que eu tirei do filme. O enredo é basicamente assim, num futuro muito distante, o nosso Sol está se apagando, condenando a vida na Terra a um mortal e sem fim inverno. Então, uma nave é lançada no espaço, ironicamente chamada de Ícaro, com a missão de explodir uma gigantesca bomba atômica na estrela, dando-lhe uma nova ignição e garantindo a vida na Terra por mais alguns anos.
O filme me parece tratar de uma desesperada jornada do ser humano em meio às trevas, buscando sua única fonte de luz, vida, conhecimento e origem de toda forma de fé, que por sua vez está se esgotando e por meio da própria técnica e ciência a humanidade tenta recuperar. Porém, como em todo filme de ficção espacial, a ciência nunca preenche todos os requisitos. Em algum momento ela falha. A missão se torna perigosa demais. E as lacunas, que a tecnologia deixa, são preenchidas com criatividade e sacrifício.
Mas há um outro aspecto do filme, que me chamou a atenção somente depois da nona ou décima vez que o vi e tem relação com a Estética Kantiana. Para Kant a beleza diz respeito ao sentimento de desinteresse. Ou seja o Belo é inútil, pois ao atribuirmos uma utilidade ao objeto que consideramos belo, estamos na verdade transferindo o valor dele para a sua utilidade. De forma beeeeeeeeemmmm geral, se você acha um quadro bonito para enfeitar sua sala, então sua sala é mais importante do que o quadro! O valor da beleza não está no quadro, mas na sala. O quadro é reduzido a um mero meio para um determinado fim.
Então, no filme, há alguns momentos em que os personagens possuem uma relação com o Sol que transcende a utilidade. O astro rei deixa de ser apenas uma fonte de energia e vida, e se torna um objeto de contemplação. Uma infinita fonte de mistério despertando esse sentimento de adoração e curiosidade. Sempre relacionei o sentimento de curiosidade com o Amor, pois em Sócrates/Platão o amor tem a ver com desejo. Mas penso numa curiosidade desinteressada, ou de outra forma, a própria contemplação. Então o Sol se torna Belo.
Começamos na mera utilidade e chegamos na Beleza, mas a medida em que a nave Ícaro se aproxima do Sol, a cera de suas asas começa a derreter. A beleza dá lugar ao Sublime, enquanto a primeira está condicionada à propriedades físicas, o segundo pode ser definido como algo metafísico, uma relação além da emoção, é intelectual mesmo. Kant definiu três modalidades de Sublime, uma delas é causa do terror. Como não temer e ao mesmo tempo não admirar a grandiosidade das forças destrutivas da natureza? Não que um vulcão, ou um relâmpago, sejam mais do que Belos, mas o sentimento de temor, que é despertado diante dessas forças, nos coloca numa situação que dá sentido à origem das religiões. “A definição de belo é fácil: é aquilo que desespera.”, disse Paul Valery, mas talvez ele estivesse falando do Sublime.
Uma fé vulgar é a que faz do quadro um meio para a sala ficar bonita. É egoísta. Uma fé mais evoluída é desinteressada. E agora o temor a Deus começou a fazer sentido. Mas o Sublime não é só a admiração com temor, mas também pode ser Nobre e Magnífico. Kant fala da nobreza na simplicidade, diz que a Amizade é Sublime enquanto o Amor é Belo.
No filme, Capa, o protagonista, teme o Sol desde o começo, tem pesadelos, onde se vê caindo, sendo atraído pela massa da estrela. Num certo momento, ele precisa sair da nave avariada e literalmente pular desesperado para o outro módulo, atravessando o vazio de um espaço escuro para só então testemunhar, em unidade, o nascimento de uma estrela.
Transcender o Sublime?



